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Para: Magistrados, Professores e Alunos Assunto: “A Reforma do Código Penal em debate”
Edição n° : 287 Data: 20/05/2013
 
“A Reforma do Código Penal em debate”

A Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc) e a Academia Judicial do Poder Judiciário de Santa Catarina iniciaram, na manhã desta quinta-feira (9/5), as atividades do seminário “A Reforma do Código Penal em debate”, no Auditório Solon d’Eça Neves, na Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC).

A abertura das atividades contou com a presença de um bom público, com a participação de magistrados, operadores do Direito e estudantes. Em seu discurso de boas vindas, o Diretor-geral da Esmesc, Juiz Cláudio Eduardo Régis de Figueiredo e Silva, agradeceu o empenho dos envolvidos na realização do evento e destacou a relevância do debate, cujo tema tem sido tão discutido pela sociedade nos dias atuais. “Esse tipo de discussão faz parte do nosso futuro, o futuro da nossa Nação. É aqui no foro acadêmico, na Escola, o lugar que podemos pensar juntos qual direito penal que queremos e qual será o seu rumo daqui para frente”, afirmou o magistrado.

Em seguida, o presidente da AMC, Juiz Sérgio Luiz Junkes, também aproveitou a oportunidade para ressaltar o protagonismo catarinense na promoção de um evento, que envolve temas de abrangência nacional. “É uma satisfação para nós da AMC realizar esse encontro, ainda mais num momento em que o cidadão espera respostas da Justiça, com o aumento da criminalidade. Fico muito feliz em saber que o Judiciário catarinense faz parte desse debate tão importante para a sociedade brasileira”, disse.

A abertura do primeiro painel, intitulado “A ideologia da reforma penal”, foi feita pelo advogado criminalista Juarez Cirino dos Santos, também professor da Universidade Federal do Paraná. Em uma hora de explanação, Juarez fez uma análise crítica do anteprojeto do Código Penal brasileiro, em tramitação no Congresso Nacional. Dividido em duas partes, uma geral e outra específica, o atual conjunto normativo comporta uma quantidade exacerbada de crimes, segundo o profissional, um dos fatores que motivou a iniciativa legislativa. No entanto, ele acredita que a redação do novo código está longe de cumprir a sua real função.

“A comissão perdeu a chance de uma grande reforma humanista, que apostasse na descriminalização. Temos mais de 2700 crimes diferentes. Essa aposta na pena como maneira de resolver conflitos sociais é uma forma perdida desde sempre. O estado continua apostando em polícia e na pena para resolver problemas, mas esquece das ações sociais e do investimento na melhoria das condições de vida das pessoas”, salientou.

O advogado também apresentou números alarmantes, acerca do crescimento prisional nas últimas duas décadas. A população carcerária pulou de 100 mil detentos (nos anos de 1990) para mais de 500 mil atualmente. Para Juarez, uma das principais causas desse número é o investimento na pena e a falta dele quanto às condições prisionais para uma recuperação efetiva. “Temos ciência de que quanto maior a pena, maior a reincidência. Todo mundo sabe que a maioria dos apenados sai mais perigosa do sistema prisional do que quando entrou”, explicou.

Aproveitou também para ressaltar os princípios de uma lei penal democrática (legalidade, culpabilidade, lesividade, proporcionalidade, humanidade), em sua opinião deixadas de lado pelo anteprojeto, por vários motivos – entre eles a simples redação, confusa e ambígua tanto para a sociedade quanto para os profissionais do Direito. “O texto sobre crimes cibernéticos têm tantos termos técnicos e confusos que é preciso fazer um curso de informática para decifrá-los”, gracejou Juarez.

Antes de encerrar o primeiro painel dos três dias de atividades, o professor ainda fez uma análise sociológica desde a idade média até os tempos atuais, como forma de avaliar as diferenças sociais impostas pelo sistema do capital financeiro, segundo ele, um dos ditadores da realidade em que vivemos. Por fim, Juarez lamentou a falta de diálogo no planejamento do anteprojeto, bem como a exclusão de métodos alternativos de cumprimento de pena, já consolidados no Brasil.

“A redação do novo código suprimiu o projeto da condicional. Uma experiência com sucesso no mundo todo e, inclusive, no Brasil. Esses institutos foram simplesmente cancelados. Tudo isso, na minha opinião, porque faltaram discussões abertas com outras entidades, como OAB, Ministério Público e a própria Justiça”, finalizou.

O seminário “A Reforma do Código Penal em debate” segue até sábado, com 15 painéis compostos por personalidades jurídicas de várias partes do país.

Brasil tem maior taxa de encarceramento mundial, afirma professor de Ciências Criminais

O seminário “A Reforma do Código Penal em debate” teve continuidade na tarde desta quinta-feira com os painéis “As penas na reforma penal”, conduzido pelo professor de Ciências Criminais Salo de Carvalho e “Legislação penal ad hoc: a perda da importância das teorias, ministrada pelo Juiz Rubens Casara. Em quase uma hora de explanação, Carvalho fez uma análise crítica do que ele chamou de “anteprojeto” de reforma do Código Penal brasileiro. O professor também trouxe dados alarmantes sobre o sistema carcerário: nos últimos 20 anos, o Brasil foi o país que registrou maior taxa de encarceramento no mundo. Atualmente, são 600 mil pessoas presas e 800 mil cumprindo penas e medidas alternativas. “Cada preso custa ao Estado R$ 1,6 mil por mês. Então não é só uma questão de pensar no lado humanitário da reforma, mas sim no monetário. Quanto a reforma vai custar? De onde vai vir o dinheiro? Não dá de romantizar a questão penal brasileira”, afirma.

Segundo ele, o projeto “é de uma irresponsabilidade político-criminal sem precedentes” e garante que é possível fazer uma reforma penal responsável, citando o exemplo de reforma realizado no Chile, onde houve um período de testes graduais e acompanhamento para identificar os problemas. “Estão querendo mexer de forma radical no coração do sistema (as penas) sem ter um estudo que avalie os impactos carcerários a longo prazo. Quanto vai custar? De onde vai vir o dinheiro?”, questiona.

Ainda sobre as consequências da reforma do Código Penal, Carvalho afirmou não ter palavras para qualificar o que vai acontecer, pois segundo ele, a situação carcerária brasileira já é “sem precedentes”. “A reforma penal sempre surte efeito a longo prazo. O que estamos vivendo em questão carcerária é uma situação de calamidade pública. Temos 90 mil pessoas presas por crimes contra o patrimônio sem violência. Ou seja, uma massa de pessoas que não tinha que estar ali. A reforma só vai piorar a situação”, avalia.

Casara fez coro ao discurso do colega. Segundo ele, a cada dia se multiplicam decisões que restringem os direitos essenciais do cidadão, devido a urgência de juristas e legislativo em dar uma resposta simbólica a pressão social e midiática. “Precisamos de uma cultura democrática capaz de romper com atual cultura autoritária, em que um torturador como o capitão Nascimento é colocado no posto de herói”, ressalta.

Especialista afirma que reforma penal é tentativa de exercício de poder

A especialista em criminologia Vera Regina Pereira de Andrade fechou o primeiro dia de seminário com o painel “Análise criminológica crítica da reforma penal”. Segundo ela, o sistema penal é seletivo, sexista e racista, e as argumentações apontadas para a reforma são uma tentativa de exercício de poder e controle. “A reforma se desenvolve em um patamar da história cujo método técnico-jurídico com o qual a dogmática ensina os juristas a não ver a realidade, é uma reforma murada, e que está destinada, portanto, a compor o quebra-cabeça da legislação penal. Como se em um passe de mágica, com uma reordenação se teria uma ‘funcionalidade eficiente’”, afirma.

Ela ressalta ainda que é impossível fazer uma análise do projeto sem uma “terrível sensação” de derrota e luto. “A constituição pelo qual a criminologia trabalha não parece ser a mesma que os reformistas trabalham, pois a conclusão é absolutamente inversa”, fala. A especialista destaca ainda que não há penas alternativas e nem penas novas na propostas de reforma. “Continuam acreditando em Papai Noel e apresentando os velhos presentes, sendo que o projeto de reforma, ainda, se dá sob quatro déficits: empírico, teórico, dialógico e democrático”, pontua.

Durante o evento, Vera lançou também o livro “Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão”. Promovido pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc) e Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o seminário “A Reforma do Código Penal em debate” segue até sábado, com painéis compostos por personalidades jurídicas de várias partes do país.


Especialistas debatem precariedade do sistema penal brasileiro

“Não estamos invertendo o papel? Ao Invés de punitivo, o sistema não deveria ser protetivo?”. Nesta sexta-feira, 10, segundo dia do seminário “A Reforma do Código Penal em Debate”, o Juiz Corregedor Alexandre Karazawa Takaschima explanou sobre o tema “As medidas de segurança na reforma penal”, onde abordou sobre a questão dos indivíduos com doença mental. “Estamos condenando alguém que foi considerado inimputável”, disse.

O Juiz falou sobre o trabalho realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), localizado no bairro Agronômica. Segundo ele, apesar das condições de precariedade do local, muitas melhorias já foram feitas. O Juiz afirmou também que mais do que a estrutura física, é preciso mudar a mentalidade punitiva do Judiciário. “Não é nem uma questão de código penal, é de mais amor. Precisamos olhar o indivíduo com uma visão protetiva”, ressaltou.

Durante a manhã, o promotor Mário Luiz Ramidoff também fez uso da palavra para abordar o tema “Projeto de Lei do Senado nº 236/2012: reformismo socialmente (in) consequente?”. Segundo ele o novo código, com sua neocriminalização, tenta substituir as políticas públicas vigentes. “A reforma não vai melhorar a qualidade de vida ninguém. A substituição do controle social é uma questão de gestão pública”, afirmou.

Ele afirmou, ainda, que o objetivo deve ser construções socialmente consequentes, que visem minimizar a fome e a miséria, por exemplo. “O sistema penal deveria fazer o indivíduo se tornar uma pessoa melhor, mas o que se vê hoje é justamente o contrário. É preciso que se faça algo para mudar essa realidade e aumentar as penas não é a solução”, pontuou.

O seminário “A Reforma do Código Penal em debate” segue até amanhã (sábado, 11/05). Os trabalhos iniciam em torno do tema “A criminalização dos jogos de azar na reforma penal: a contradição entre lei e realidade social”, pela Dra. Katie Arguello (UFPR). Na sequência, o Juiz João Marcos Buch aborda “Violência Urbana, direito penal e responsabilidade social”. O encerramento fica a cargo do Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, com o painel “Os delitos sexuais na reforma penal”. 

“Há uma visão estrábica da utilidade das prisões”, afirma doutor em Direito Penal e Criminologia Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

No segundo painel apresentado na última sexta-feira, 11, o professor e doutor em Direito Penal e Criminologia Jacinto Nelson de Miranda Coutinho abordou “A reforma do Código Penal: mais prisão, menos vergonha, (quase) tudo errado”. Em quase uma hora de explanação, Coutinho fez uma análise crítica do aumento das penas previsto no novo Código Penal brasileiro. Segundo ele, no Brasil, nunca se tentou recuperar o preso – tanto no que diz respeito ao Código Penal quanto ao sistema prisional. Ao contrário. “A reforma vai na contramão da história. Está tudo voltado a acreditar que o sistema resolve o problema, enquanto que, na verdade, é uma escola de delinqüência. É preciso ser muito burro para não ver a estrutura destrutiva das prisões”, ressaltou

Conforme Coutinho, não dá para acreditar, ingenuamente, que a prisão resolve os problemas de criminalidade. “O problema é que no Brasil há uma cultura de punição muito marcante, um patrocínio do gozo pelo sofrimento. E o sistema faz da execução penal um quase puro sofrimento. O indivíduo entra um ladrão e sai como um latrocida. Há uma visão estrábica da utilidade das prisões”, salientou.

O professor contou também que a primeira informação que chamou sua atenção no novo Código Penal foi o consequente aumento expressivo no número de prisões. “Essa reforma, deliberadamente, se apresenta em mais prisões. Um aumento cavalar. Por quê? Vai colocar onde? Vai levar para casa? No Brasil é sempre assim: primeiro se faz e só depois se vê o que fazer com as consequências. E isso porque ninguém assume as políticas públicas”, afirmou.

Antes de encerrar o primeiro painel dos três dias de atividades, o professor ainda questionou a falta de oportunidades de reinserção social do preso. “O cara que sai da prisão sem nenhuma chance, porque o sistema não permite. É praticamente impossível o preso construir uma vida aqui fora (na sociedade) com todas as barreiras que lhe são impostas”, falou.


Desembargadores do TJ/SC abordam aspectos detração penal e a evolução do pensamento processual brasileiro

Quem abriu os trabalhos do período da tarde, no segundo dia de atividades do seminário “A Reforma do Código Penal”, foi o Desembargador Jaime Ramos, com o painel “A detração penal na Lei 12.736/12”. Em seu discurso, ele fez uma análise acerca da nova legislação que deduz o período cumprido pelo réu em prisão provisória, administrativa ou de internação da dosimetria aplicada em sentença condenatória.

O principal objetivo da lei, segundo o magistrado, é fazer com que o condenado “não fique a ver navios”, após a condenação, já que muitos podem ter direito progressão da pena ou outros benefícios. Se antes o cálculo era realizado pelo Juiz de Execução Penal, com o novo texto cabe ao Juiz sentenciante analisar o tempo a ser cumprido. “Agora é se faz necessário que os magistrados da área criminal aperfeiçoem seus sistemas de informática, com programas de cálculos, para fins de dosimetria”, pontuou.

Com a Lei 12.736/12, é possível o próprio magistrado fazer a detração de ofício, sem a necessidade de provocação. Contudo, antes da sentença, são necessárias as alegações finais tanto do Ministério Público quanto das demais partes. “Sempre houver possibilidade, peço aos juízes que apliquem a detração penal. Caso não for possível, deixem para o juiz da execução, em um processo de execução provisório”, finalizou o desembargador.

Em seguida, o Desembargador Jorge Schaefer Martins deu início ao painel “Evolução recente do pensamento penal e processual penal brasileiro, sob a ótica de sua constitucionalização”. No início de sua fala, ele agradeceu o convite para participação no seminário e ressaltou a importância de discutir assuntos relativos à reforma do Código Penal, antes mesmo da aprovação do anteprojeto, justamente pelo fato de os juízes terem a oportunidade de conhecer o possível texto da nova legislação.

Dentre os aspectos abordados pelo magistrado, com mais de 30 anos de carreira, está o marco regulatório referente às prisões, a partir da Constituição Federal de 1988. “Antigamente era mais simples decretar uma prisão provisória, por exemplo. No entanto, com a consolidação da Carta Magna houve uma série de garantias, que exigem do juiz a explanação dos motivos de uma decisão como esta”, disse.

Outro assunto colocado em debate foi a questão carcerária em Santa Catarina. O desembargador citou o exemplo do Presídio de Blumenau, comarca onde atuou quando juiz, como um dos que mais pioraram com o passar dos anos. “Se naquela época com 200 detentos, já era uma situação complicada, imagina agora, então, com mais de 800?”, refletiu, ao ressaltar também a importância das medidas alternativas de cumprimento de pena, como forma de desafogar os estabelecimentos prisionais e efetivar a recuperação dos condenados.

Antes de encerrar o painel, o magistrado ainda destacou um dos denominadores comuns do evento: a falta de investimento em ações públicas para evitar o avanço da criminalidade. “Não vai ser com o Direito Penal que vamos acabar com a criminalidade, que sempre existiu e sempre vai existir, mas sim com um efetivo investimento em educação, saúde e segurança”, pontuou. 

Princípio da culpabilidade e a criminalização das drogas são debatidos por pesquisadores, em painéis do Seminário “A reforma penal em debate”

O 6º painel do Seminário “A reforma penal em debate” contou com a participação do professor e Promotor de Justiça do Paraná, Jacson Zilio, cuja explanação foi acerca do “Princípio da culpabilidade como expressão do direito penal na reforma penal”.

Durante 50 minutos, em uma palestra bastante informal, o promotor trouxe aos presentes aspectos pertinentes à análise do princípio da culpabilidade referente ao anteprojeto do novo Código Penal. Com base no tema, ele expôs várias críticas ao texto da reforma, entre elas as formas com que a pena está sendo tratada. “Não se pode determinar a pena a partir do conceito de retribuição, como está no projeto, em pleno estado democrático. Isso é um retrocesso”, destacou.

Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidad Pablo de Olavide, da Espanha, Jacson fez uma reflexão a partir da longa espera até um julgamento criminal, a partir de um contraponto com as legislações espanholas que utilizam esse fator como subtrator da pena. “Só quem passa por um processo criminal sabe quais são as dores e a intraquilidade de uma longa espera. Por isso, penso que esses quesitos deveriam constar na culpabilidade, na hora da sentença como redutor da pena, como já ocorre na Justiça espanhola”, frisou.

Antes de encerrar sua fala, o pesquisador ponderou que o texto da reforma penal necessita de uma ampla mudança, caso contrário, em sua opinião, é preferível continuar com o atual código. “É um projeto que representa um conceito de pena deficiente, que quer dar uma resposta imediata e simbólica. Sinceramente, espero que seja engavetado. Se é para piorar, é melhor ficar com o nosso código atual”, concluiu.

Em seguida, foi a vez do advogado e pesquisador Marcelo Mayora Alves dar prosseguimento às atividades, com o painel “Reforma penal e criminalização das drogas”. Ele iniciou seu discurso com uma análise reflexiva entre a sociedade moderna e o uso de drogas. “Caso um marciano viesse para terra ou um aborígene fosse viver em uma civilização moderna, certamente, não iriam entender o porquê de as drogas tidas como ilícitas são proibidas. Isso se comparado ao álcool, uma droga legal, que causa muitas consequências e inúmeras tragédias, além de ter na publicidade um incentivo a qualquer horário do dia”, disse.

A descriminalização do uso de drogas foi um dos poucos pontos tidos como positivo no anteprojeto do Código Penal, na opinião dos especialistas participantes do seminário. Com essa ideia, Marcelo fez uma retrospectiva sobre o consumo de entorpecentes no Brasil e suas causas. Segundo ele, desde a proibição até os dias atuais – quase um século – não houve sucesso ao combate da oferta e nem da demanda. Muito pelo contrário, as políticas de combate só geraram mais violência.

“A gente observa o assassinato massivo de jovens, causados pela guerra ao tráfico. É um processo massivo de matança que vem desde Canudos até o Morro do Alemão. Vê se há policiais caçando de helicóptero os executivos das grandes cervejarias ou das indústrias farmacêuticas?”, refletiu.

De acordo com o advogado, a atual realidade de combate às drogas está estampada na situação do sistema prisional brasileiro: dos mais de 500 mil detentos, 23% da população carcerária masculina e 60% da feminina estão detidas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Contudo, paradoxalmente, o consumo de entorpecentes dentro do cárcere é permitido pelas autoridades.

“No Presídio Central de Porto Alegre, o consumo é tacitamente legalizado. Policiais, promotores e juízes sabem disso e o permitem como forma de manutenção da ordem dentro das alas prisionais”, explicou Marcelo.

O advogado também citou exemplos de outros países que tiveram sucesso com descriminalização do uso das drogas e conseguiram a redução do consumo e do índice de doenças infecciosas, como Portugal e Holanda. 

Por fim, ele ainda apontou como consequência da realidade atual o estigma do usuário, que fica taxado como uma pessoa sem moral, além da própria desinformação, já que muitos pais deixam de tratar do assunto com os filhos devido ao tabu gerado pela polêmica do tema.  “Muitos defendem a descriminalização do consumo, sete ex-ministros da Justiça, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o médico Dráuzio Varella. Daqui a pouco até a Ana Maria Braga e a Glória Peres vão ser a favor”, gracejou, antes de encerrar. “Então, não acho nenhuma novidade a descriminalização do seu uso”.

Juiz catarinense e desembargador carioca debatem a reforma do Código Penal em relação aos trâmites processuais e à violência urbana

Os últimos debates de sexta-feira (10/4) contaram com as presenças do Desembargador Aposentando Geraldo Prado (TJ/RJ) e do Juiz João Marcos Buch, da Comarca de Joinville. O primeiro abriu os trabalhos com o painel “A relação do direito penal e do processo penal na reforma penal”.

Em seu discurso, Prado revelou estar espantado com incoerência do anteprojeto do novo código, principalmente, pelo fato de estar em desarmonia com o Código Processual Penal. Para ele, uma série de garantias foi suprimida a partir do texto. “Há um artigo com cinco formas de se provar o crime. É como se houvesse uma restrição às formas de que o cidadão pode se defender”, explicou.

Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho e pós-doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal), o magistrado ainda criticou pontos pertinentes às penas substitutivas da reforma penal, bem como a parte especial do texto, que para ele “está cheia de armadilhas”.

Antes de encerrar, ele ainda fez referências aos regimes autoritários dos séculos passados e os comparou com o futuro do sistema penal brasileiro, caso esse projeto seja aprovado. “A comissão, criada pelo presidente do Senado, quis com esse projeto aumentar o acirramento de punição do poder estatal. Tudo indica que poderemos continuar atuando nas tradições autoritárias”, refletiu.

Em seguida, o Juiz João Marcos Buch assumiu o comando do último painel da noite, com o tema “Violência urbana, direito penal e responsabilidade social”. Ele abriu o debate com algumas considerações acerca do objetivo da lei penal, que veio para frear o poder punitivo do Estado, tão comuns em civilizações passadas. No entanto, em sua opinião, com o passar dos anos essa ideia seguiu o sentido inverso: não pune quem deveria punir e, quando pune, é sempre a classe mais desfavorecida. 

Durante o Seminário “Reforma Penal de Debate”, ele alicerçou essa afirmação não somente nos autores apresentados, mas também nos dados levados aos presentes: pelo menos 80% das prisões no Brasil são motivadas pela violência urbana, a partir dos crimes contra o patrimônio e tráfico.

“Sob o império da lei, estamos mandando todos os dias milhares de pessoas para campos de concentração, com pouquíssimas condições de recuperação. Isso acontece em Santa Catarina e no Brasil”, frisou o magistrado, conhecedor dos cárceres catarinenses, por atuar como corregedor penal da Comarca de Joinville.

Buch, que veio direto da França – onde passava férias – para participar do evento, também trouxe exemplos de menores em situação de risco, que vivem sem condições de vislumbrar um futuro melhor. Razão pela qual acabam caindo no mundo do crime.

Por fim, o magistrado ainda citou o exemplo dos ataques a ônibus e postos policiais promovidos em Santa Catarina, no final do ano passado e em fevereiro deste ano. Segundo ele, em novembro de 2012, Joinville foi poupada desses atos, tendo como um dos motivos a inspeção judicial às unidades do município, realizada dias antes por vários juízes. No entanto, este ano, após uma operação pente-fino, sem o conhecimento de Buch, onde vários detentos foram agredidos, a situação mudou e a cidade do norte catarinense também acabou atacada por membros do Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Com um alerta para às questões penais e prisionais, ele encerrou o seu discurso: “Se nós não abrirmos os olhos, teremos novos ataques em Santa Catarina”.


Seminário debate criminalização dos jogos de azar prevista no Novo Código Penal

No último dia do seminário “A Reforma do Código Penal em debate”, a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Katie Arguello abriu os trabalhos em torno do tema “A criminalização dos jogos de azar na reforma penal: a contradição entre lei e realidade social”. O novo Código Penal brasileiro prevê um endurecimento da lei com relação aos jogos de azar. A pena máxima para quem promove a atividade pode dobrar de um ano para dois anos de prisão. De acordo com o texto, esse tipo de jogo deixaria de ser uma contravenção penal e se tornaria crime. “A criminalização não consegue resolver o problema e, ainda, transforma o marginalizado social em marginalizado criminal. Criminalizar os jogos de azar só vai aumentar o número de encarceramentos”, afirmou a professora.

Para ela, a solução caminha no sentido contrário, da legalização. Conforme Katie, o Estado não tem legitimidade ética para proibir a atividade, uma vez ele próprio a explora. “Legalizar é a única medida a ser tomada, de acordo com a realidade social. É uma hipocrisia o Estado explorar a loteria e querer criminalizar o jogo do bicho”, destacou. A professora falou ainda que a criminalização serve apenas como controle social dos excluídos. “Criminalizar, teoricamente, não tem custos. Mas há muitos custos sociais que precisam ser avaliados. O projeto é um absurdo e merece ir para a lata do lixo”, pontuou.

Promovido pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc) e Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o seminário “A Reforma do Código Penal em debate” reuniu personalidades jurídicas de várias partes do país.

Seminário debate mudanças para crimes sexuais no Novo Código Penal

O desembargador Amilton Bueno de Carvalho encerrou o seminário “A Reforma do Código Penal em debate”, neste sábado, 11, com o painel “Os delitos sexuais na reforma penal”. Segundo ele, diante da “paranóia punitiva” que se vive no Brasil, o projeto não é ruim, pois desaparece com seis tipos penais, entre eles as casas de prostituição e o ato obsceno. Além disso, as formas qualificadoras também são abolidas. “Fica muito mais claro para o aplicador da lei. O problema do direito penal é que ele sempre chega depois. Depois que houve um estupro, depois de um assalto, é sempre depois. E eu não acredito no direito penal, porque ele nunca vai cumprir suas promessas legitimadoras”, falou.

Ele ressaltou ainda que aumento das penas não é solução. “Nós não sabemos o que fazer com o criminoso. Mas não saber o que fazer não nos autoriza a acreditar na mentira, porque o direito penal é uma mentira”, afirmou. Durante quase uma hora de exposição, Carvalho falou também sobre o papel do juiz na área dos delitos sexuais. “Quando tu julgas os crimes sexuais, está se julgando também. A minha sexualidade é fonte subjetiva de apreciação dos crimes sexuais”, pontuou.

Após o painel, o diretor-geral da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (Esmesc), Juiz Cláudio Eduardo Régis de Figueiredo e Silva, agradeceu o empenho dos envolvidos na realização do evento, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) e a Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e destacou a relevância do debate sobre o novo Código Penal brasileiro.